A lógica objetivamente violenta do consumo: estratégias discursivas e a naturalização de relações violentas

Resumo

Partindo da tese de que a cultura do consumo naturaliza relações violentas com o outro, desempenhando um importante papel no estabelecimento de um platô de indiferença, ou seja, um nível de violência objetiva abaixo do qual qualquer ato se torna invisível por um véu de naturalização, percebemos que o consumo atua naturalizando as relações violentas que constituem nosso cotidiano, envolvendo exclusão, desrespeito, desumanização e esquecimento. Por um lado, a cultura do consumo é tida como modo dominante de reprodução cultural, com alcance prático e profundidade ideológica, estruturando e subordinando todas as demais. Por outro lado, o consumo é considerado como uma linguagem que permite nossa comunicação sem precisemos falar. Destaca-se o papel do consumo como uma lógica que impõe um universo de sentido, atuando como moldura simbólica que possibilita que certas práticas ainda que violentas, não sejam encaradas como tal. Adota-se como instância de observação a socialização do consumidor, viabilizando-se o acesso à informações naturalizadas e sensíveis sobre práticas de consumo. A produção de dados se deu através de 19 entrevistas em profundidade, posteriormente codificados com o auxílio do software de análise qualitativa Atlas.ti e analisados com base na tradição hermenêutica ricoeuriana do modelo do texto. A análise aponta para a produção de estratégias discursivas que tentam justificar a impossibilidade de assimilação de diferenças, como, por exemplo, socioeconômicas e de gênero, através de elementos e práticas associadas ao universo do consumo. Essas estratégias discursivas sugerem que o consumo não apenas naturaliza, mas participa da construção de uma realidade objetivamente violenta, com características que são próprias do contexto brasileiro.