O PAPEL DO ABJETO NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA E A OBRA DE ANDRÉ SANT’ANNA: UM ESTUDO DE CASO
Resumo
O presente tecnológico dos simulacros em cadeia, característico da atual sociabilidade urbana constitui, de acordo com Julia Kristeva, a dinâmica da abjeção, na medida em que suas imagens eletrônico-midiáticas desintegram o mundo num caótico fluxo de formas e aparências: “Não é a falta de limpeza ou saúde que causa a abjeção, mas o perturba a identidade, o sistema, a ordem. O que não respeita fronteiras, posições, regras. O meio-termo, o ambíguo, o compósito” (The power of horror, p.4).
Desde 1990, expressiva parcela dos romances brasileiros manifesta um paradoxo: a convivência entre uma meticulosa descrição de cenas violentas e a sua repetição. Tal sintoma pode sugerir em que medida o autor necessita dissolver a própria sensação de implausibilidade sobre o que narra, através de sua compulsiva reiteração.
Além disso, a mídia influencia a produção contemporânea de maneira ambígua. De um lado, a literatura não se exime e mesmo vive da sua condição de mercadoria simbólica. E, de outro, a atitude crítica diante do mundo social, prevalente durante o Modernismo, tende, gradativamente, a dar lugar a uma perspectiva bastante ambivalente: uma espécie de disposição cínica, cujo acento varia num espectro entre conformismo e irônica descrença nos homens e nos valores da vida social.
O primeiro livro de André Sant’Anna, Amor e outras histórias, apresenta tais características e as desenvolve a partir de um hibridismo de temas, estilos e intenções. O presente trabalho busca interpretar alguns desses contos e, sobretudo, o primeiro, “Amor”, cujo apocalíptico fatalismo concebe o universo em sofrimento, num êxtase abjeto.
Palavras-chave: abjeção, sociedade tecnológica, narrativa.