v. 12 n. 1 (2022)

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APRESENTAÇÃO

 

Nesta manhã de outono de 2022, temos a alegria de publicar mais uma edição da Revista do Curso de Direito da UNIGRANRIO, periódico que já conta com mais de 10 anos, desde que foi criado no já distante ano de 2008, quando assumi a gestão do Curso pela primeira vez. Desde seu nascedouro, o periódico apresenta estudos de docentes do Curso, de discentes, frutos de trabalhos de conclusão de curso e/ou projetos de iniciação científica e de convidados (envio de artigos por fluxo contínuo e avaliação de double review). Trata-se, portanto, de periódico “democrático” que possibilita a publicização das reflexões de investigadores veteranos e novatos.

Este número é inaugurado com o artigo intitulado O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO: BREVES ANTECEDENTES HISTÓRICOS E SUA RELEVÂNCIA PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS produzido por Sidney Guerra, Ádria Fabrício e Marianna Corrêa onde os autores exploram as relações entre os episódios factuais que antecederam os tratados e convenções deste ramo jurídico e a criação de normas desse tema, indicando a importância das guerras para o surgimento do mesmo. Na sequência Litiane Motta Marins Araújo, Tatiane Duarte dos Santos e Leonardo Campos de Carvalho com o estudo VISITAÇÃO AO IDOSO NAS CASAS DE REPOUSO EM PERÍODO DE PANDEMIA E SEUS REFLEXOS LEGAIS refletem sobre o envelhecimento populacional e destacam a estrutura das casas de repouso e Instituições de Longa Permanência de Idosos em relação aos cuidados de saúde e visitação de familiares e amigos.

Na sessão destinada as contribuições externas, Luiz Felipe Bastos apresenta A DISTRIBUIÇÃO DE OBRAS MUSICAIS E FONOGRAMAS NOS MEIOS DIGITAIS COMO UMA MODALIDADE DISTINTA DE UTILIZAÇÃO: A NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA DO AUTOR COMO UM ABUSO DE DIREITO AUTORAL LESIVO À INOVAÇÃO e analisa a necessidade de autorização específica do autor, no tocante à distribuição de músicas nos meios digitais, como uma hipótese em que a tutela dos direitos do autor evidencia um injustificado mecanismo de obstrução ao desenvolvimento tecnológico de novos aplicativos capazes de viabilizar o acesso do público às produções musicais através da internet, configurando assim um grave óbice ao direito fundamental à aquisição da cultura. Fabiana Zacarias, Juliana Mishima Faria, Mariana Mishima Faria escrevem sobre O ATIVISMO JUDICIAL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL SOB A ÓTICA DA SEGURANÇA JURÍDICA NO ÂMBITO PENAL, ocasião em que as autoras analisam a legitimidade da postura ativista do Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente no âmbito penal. Na sequência, Nathália Salotto de Lima promove UMA ANÁLISE SOBRE ESTUPRO DE VULNERÁVEL onde a partir de argumentos jurídicos que envolvem as vítimas vulneráveis de estupro, especialmente aquelas com idade entre 11 e 13 anos, são analisadas decisões judiciais que versam sobre a matéria. Filipe Rodrigues Garcia e Francielle Almeida Santos apresentam A PRÁTICA DO STEALTHING SOB A PERSPECTIVA DO CONCEITO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA DE PIERRE BOURDIEU, em que discorrem acerca da violência elementar do tipo penal no crime do estupro, uma vez que a lei se refere à violência enquanto a doutrina exige que essa violência seja física e irresistível. Por fim, Marcelo José das Neves trata das REGRAS DE ROTTERDAM: A VIABILIDADE DE ADESÃO E RATIFICAÇÃO EM FAVOR DO TRANSPORTE MARÍTIMO em que se propõe a promover reflexão sobre a possibilidade de adesão e ratificação das Regras de Rotterdam pelo Brasil, embora inúmeros pareceres desfavoráveis já tenham sido emitidos.

Na terceira e última sessão, foram coletados dois trabalhos de conclusão de curso orientados pela professora Aline Teodoro de Moura. O primeiro intitulado CRIMES TRIBUTÁRIOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO de Claudia de Paula Teixeira, analisa os efeitos da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, além de apresentar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema e O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E SUA IMPORTÂNCIA PARA CLÍNICA MÉDICA, de Diego dos Anjos Martins, que apresenta aspectos tributários voltados para a área médica.

Mas esta semana, apesar da felicidade que nos toca por esta publicação, devo lembrar que a comunidade jurídica mundial ficou mais pobre com o falecimento precoce de um dos maiores juristas que o mundo conheceu – o Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, juiz da Corte Internacional de Justiça, que tive o prazer e privilégio de ser seu aluno, em 1998, no Curso de Direito Internacional da Haia, e desfrutar ao longo dos anos de sua convivência diária, por meio de seus estudos, e eventuais, por força de diversos eventos no Brasil e no exterior que estivemos juntos.

Sempre gentil, generoso e elegante, Cançado marcou e marcará indelevelmente os estudos sobre Direitos Humanos de toda uma geração de pesquisadores sobre a matéria. Assim, a título de prestar singela homenagem ao mestre, reproduzo uma parte de reflexões por mim já apresentadas no passado (Curso de direitos humanos, editora Saraiva) que trazem muito dos ensinamentos dele.

“A adoção de uma série de convenções internacionais de direitos humanos alavancada pela criação das Nações Unidas e a subsequente adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos são atos inaugurais de um novo direito internacional que coloca o indivíduo como centro de sua proteção. É nesse momento que nasce o direito internacional dos direitos humanos. Desse contexto emerge a humanidade como um novo ente, objeto de proteção jurídica, embora com contornos ainda nem tão bem definidos. A humanidade torna-se sujeito de direitos, tantos são os textos convencionais que a colocam como objeto de proteção. A humanidade torna-se igualmente vítima, vis a vis da nova figura jurídica do crime contra a humanidade, igualmente aportado pelo direito internacional. O conceito de humanidade começa a ser aprimorado, alicerçado em uma construção casuística, dependente da identificação de condutas que caso a caso passam a ser compreendidas como violadoras de valores universais pertencentes à comunidade humana, trazendo novas reflexões que apontam para a busca de resposta sobre qual deve ser ou quais devem ser o(s) objeto(s) do direito internacional. Essa humanidade-sujeito torna-se igualmente portadora de valores a serem protegidos, mas valores de difícil identificação. Se por um lado o direito não se descuidou de tipificar caso a caso o que se passou a entender por grave ofensa contra a humanidade, por outro lado negligenciou em estabelecer a substância de uma hierarquia de valores humanos que serviriam como substrato à proteção dos seus direitos. Essa identificação parece ser possível apenas a partir de um dissecamento acurado do edifício construído pelo conjunto das Convenções internacionais e pela construção jurisprudencial em matéria de direito internacional dos direitos humanos. A compreensão do sentido de grave violação, a partir da análise das condutas mais graves que já assolaram a humanidade – os crimes contra a humanidade e o crime de genocídio -, tornou possível a identificação de dois valores que se entende ocuparem o topo da hierarquia de um conjunto de normas jurídicas: a proteção da dignidade humana e a interdição do sofrimento. Trata-se de valores que legitimam a existência de direitos de natureza universal e absoluta que fazem parte de um pequeno núcleo intangível: o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à liberdade, o direito à liberdade sexual, o direito à não-discriminação e o direito à não-submissão a tratamentos desumanos, cruéis ou degradantes.

A partir da jurisprudência das Cortes internacionais e regionais, cuja jurisprudência foi fortemente influenciada pelos votos de Antônio Augusto Cançado Trindade, encarregadas de conferir eficácia à construção convencional, do teor de decisões dessa natureza, parece emergir a dignidade humana como um valor subjacente, ocupando, ao lado da interdição do sofrimento, o ápice da hierarquia de valores de cunho universal e absoluto, cuja salvaguarda é o fim último de um direito internacional voltado para a centralidade do indivíduo. Especialmente a partir da criação das Nações Unidas e de seu respectivo sistema universal de proteção, tanto normativo quanto jurisdicional, o direito internacional dos direitos humanos passa a conferir um importante conteúdo valorativo a essa noção de ofensas que afetam o que há de humano no ser humano. A construção normativa catalisada por essa nova estrutura parece fazer emergir a dignidade humana como um valor subjacente aos direitos fundamentais cuja proteção visa garantir. A dignidade humana aparece como a pedra de toque das normas criadas pelo direito internacional dos direitos humanos e dessa construção emergem igualmente direitos que não são passíveis de sofrer restrições ou relativizações. A noção de direito humano absoluto nasce dessa composição que tem sua fonte sobretudo nas core conventions que são pilares desse sistema universal de proteção, que por sua vez inaugura um novo direito internacional, não mais ancorado em postulados clássicos fundados no princípio da soberania dos Estados, mas, isto sim, amparado na precípua proteção do indivíduo.”

Como disse no dia de sua partida (29/05), ele se foi, mas sua obra é eterna. Obrigado por todos os ensinamentos!

 

Duque de Caxias, 01 de junho de 2022

Sidney Guerra – Prof. Dr.

Editor

Publicado: 2022-06-01

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